segunda-feira, 3 de outubro de 2016

As horas...

Indefinido é o caminho de amar;
inconstante,impreciso,obscuro, indelével.

Ela,na altura do terraço de um prédio de mais de trinta andares, onde morava há certo tempo,olhou para baixo pensativa e tentou mensurar quanto tempo levaria para que  atingisse o solo.Trinta,sessenta,oitenta segundos?Acabou lembrando que havia "viajado" na maioria das aulas de física,e,nesse momento,o que menos  gostaria era de entrar,nem que por alguns segundos,no frio e preciso mundo dos cálculos.Não,isso seria definitivamente desnecessário.
Nesses  anos de existência pouca lembrança havia de ter dado importância às matérias exatas,exceto quando das necessidades objetivas e básicas.No entanto,talvez houvera sido humana demais.
Ela,acabou fazendo uma estranha retrospectiva do que fora sua trajetória até ali.
As lágrimas inundavam-lhe o rosto, involuntariamente, como uma nascente de rio eufórica,incessante;pareciam fogo,pois ardiam-lhe a face.
Primeiro, lembrou-se dos ensolarados,chuvosos e inesquecíveis momentos da infância.De adorar quando faltava luz e  sua mãe contar histórias pra ela e os irmãos, sobre as lendas do folclore brasileiro,ou fábulas, em outros momentos,apólogos. Ficavam ainda mais excitantes esses momentos, quando faltava luz e a atmosfera era adornada  pela luz de velas. Lembrou-se também do dia em que conseguiu equilibrar-se em sua bicicleta pela primeira vez  e a sensação de liberdade que isso lhe causara. De amar livros de aventura e mistério.Do primeiro beijo (numa brincadeira da época,risos) ;das brincadeiras de rua regadas de aventura e da sensação de estar viva que elas traziam. De como amava rabiscar poemas e letras de músicas desde miúda. De como se sentia viva ao cantar,ainda muito pequena com seu pai.De adorar sorvete de chocolate com cobertura de calda quente,também de chocolate De adorar dançar e lembra-se sempre das festinhas e matinês da adolescência.ô tempo bom!!.
De alguns anos para cá,descobrira o prazer que sentia em cozinhar ,de amar experimentar sabores diferentes e sentir-se feliz ao perceber que causara algum tipo de sensação de prazer ao preparar algo  para familiares e amigos mais próximos degustarem
Rememorara também os inocentes erros da adolescência..
De ter sido feita mulher,fisiologicamente falando,  aos vinte e um anos e poucos meses,no dia internacional da mulher,numa hora legal, e,com um grande amor(desses que nunca queremos esquecer)  uma pessoa legal,linda e iluminada.
Lembrou dos inesquecíveis amigos pra vida que fizera durante esse caminhar e das divertidas ,porém,marcantes amizades temporais, também..
Do ora intenso,ora passageiro,no entanto sempre afetuoso convívio com seus tios e primos,.Foram tantas risadas,emoções,alegrias e tristezas,saudades;tão boas essas lembranças..
Sofreu mais uma vez ao lembrar a morte do pai,assunto ainda muito delicado e que, até os dias atuais,lhe doía imensamente ,era um misto de falta,caminho encurtado,missão não cumprida.Entre seu pai,ela , o violão,os Beatles,as vozes e muitos outros sons,fora reforçada,desencadeada uma ou talvez a maior de todas as paixões que guardava dentro de si: a música.
Havia também a saudade eterna de outros pessoas queridas que partiram : amigos,avós,tios .
Lembrou de alguns irreversíveis erros de adulta e como estes a fizeram sofrer e amadurecer.Mas,disso só levara aprendizado,sem arrependimentos;
Mas,a afetividade,em sua vida, sempre persistira e fora muito intenso....
Ela amava o mar,os animais,as árvores,os pássaros,adorava olhar o céu(tanto de dia como à noite).Ah..as cachoeiras,sentia um bem estar natural quando em contato  com a natureza, de maneira geral.Mas,o mar,para ela, era realmente especial,imenso,azul e misterioso.
Amava mais que a própria vida sua mãe,com quem tinha uma relação de muito amor e respeito, a tinha como principal  referência.Guerreira,o otimismo em pessoa,amiga desde o ventre.Grande incentivadora no gosto que tinha adquirido por literatura e poesia,verdadeiramente sua mãe era "a figura" em seu caminhar,parceiraça mesmo.
Amava mais que tudo seus sobrinhos,anjos, que só haviam lhe trazido amor e  alegria(chamava-os,em suas orações, de pequenos grandes maiores amores)desse amor mais do que puro,só havia beleza pra falar e,esse, não cabia no peito,literalmente.
 Dos irmãos(P,H,M),com quem crescera,brincara desde tenra idade,vivera muitas alegrias,dividira com eles também muitas adversidades,contudo,era inquebrável e inabalável esse amor, apesar da pouca presença(circunstancial) nos dias atuais,esses laços, eram demasiadamente profundos e  bonitos para deixarem de ser vitais a sua existência.
Dos  irmãos(S,L,H),apesar de haver começado a conviver há pouco tempo,sempre os amara também,mesmo sem conhecê-los e sem o favorecimento da convivência cotidiana.Ao amor fraterno Deus não criou atalhos ou ressalvas.Já haviam começado a recuperar o tempo perdido e ,ela, pessoalmente, vem adorando e já tem a certeza de que não haveriam de ser outra coisa,senão irmãos.
Amava muito seu  marido,grande homem,excelente ser humano,maior amor dentro do peito e n'alma, também,mesmo com toda a distância e formalidade ocasionadas pelos ditames dos "enlaces matrimoniais", que mais assemelham-se a desenlaces.A intimidade em demasia é nefasta,e,no lugar dos mágicos poemas e declarações de outrora,das delicadezas que pareciam não ter fim,surgiram imensos muros com espinhos,que em muitas horas parecem intransponíveis,e como machucavam...Mas,que seja infinito enquanto durar.
Amava seus filhotes,parceiros leais e incondicionais,mas, que os humanos em geral, teimam em denominá-los como animais.Esses sim,alguns deles já em outra orbe,outros,graças ao divino, ainda presentes, foram os  mais belos seres que conhecera.Amigos verdadeiros,filhos,irmãos,pais, com os quais tivera e tem a dádiva de conviver.Lealdade sem fim;amor sem medida.
Lembrara também, com carinho, de alguns amores impossíveis ou mal acabados,não havia como apagar essas memórias,por mais que preferisse simplesmente "deletar", algumas delas.
Ah...eram tantas as lembranças,tantas as memórias, não haveria como ser breve...
Por alguns minutos,sentiu  que as lágrimas solitárias de antes,agora, misturavam-se a um maravilhoso acompanhante: o sorriso.Involuntário,porém,demasiadamente oportuno.Ambos(lágrimas e risos) resolveram,juntos,ser a trilha sonora daquelas horas.
De repente,olhou novamente para baixo,porém,dessa vez sentiu um estranho arrepio,uma sensação indescritível...
Então, olhou para o céu ,e,nesse instante, constatou porque admirava tanto a noite.Havia uma lua imensa,cercada por centenas de milhares de estrelas.Ocorreu-lhe,de súbito, uma ideia,a de que, a verdadeira razão de estar ali ,naqueles intermináveis segundos, poderia ser outra.
Ficou  observando,sentindo,como se pudesse tocar tudo ao seu redor,em expectativa, durante mais algum tempo..
Tempo esse suficiente para o sol despontar acelerado no horizonte, anunciando o dia.Como um coração voltando a bater, após diversos eletrochoques em uma UTI, tentando trazê-lo de volta.
Inspirou profundamente,olhou cuidadosamente mais uma vez para a fotografia natural que a circundava.
Contudo,como  insistira em ser bela e intensa a vida..
Caminhou mais uma vez até a beira daquele arranha-céu,que mais parecia um infinito penhasco de concreto,dos seus quase quarenta andares, e,sem hesitar,saltou como um pássaro, rumo à liberdade,em direção ao sol.Sua inspiração?!O sonho de Ícaro(porém,com exceção de alguns "detalhes"),
Sentiu a plenitude de sua existência,e ,agradeceu ao divino pela dádiva de poder viver tudo isso e de ter chegado até ali.
Óbvio que, antes de saltar,equipou-se com as asas necessárias para esse seu primeiro voo além da imaginação.






Renata Strobel